HOMEM & AMEBA

A liberdade de questionar, refletir sobre tudo, e fazer escolhas, não é um direito, é da natureza humana, é o que nos difere das amebas.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A VERDADE


A verdade não existe. Nenhuma verdade. Em nenhuma área do conhecimento. Em nenhuma crença religiosa. Em nenhum comportamento humano. Em um dos episódios da série Grandes Mistérios do Universo, do canal Discovery Science, Morgan Freeman nos deixa um alerta: 

"Quando alguém lhe disser que conhece 
a verdade suprema, provavelmente 
só estará lhe dizendo mais uma mentira".

Para começar a entender esta afirmação, precisamos tentar descobrir o que o termo pretende significar: o que é "verdade"? Não pode ser, como achei na internete, "aquilo que está intimamente ligado a tudo que é sincero, que é verdadeiro", ou seja, é ausência da mentira. Esta não pode ser uma definição porque isto é recursivo, ou seja, tenta definir o conceito de verdade a partir da mentira, da identificação do que não é verdade!

Nesta mesma fonte, há outra proposta: "verdade é aquilo que é correto, que é seguramente o certo e está dentro da realidade apresentada". Será? Como estabelecer o que seja "seguramente o certo"!? Quem há de determinar o certo? E o que é "realidade" já que o real é a percepção[1] individual, subjetiva, de um fato? Certo e errado são conceitos morais, doutrinários (comportamentos aprovados ou desaprovados por alguma entidade religiosa, social ou política).

A verdade não tem relação com certo e errado porque teríamos que discutir o que é certo. E certo, ou errado, é um conceito moral a serviço de uma doutrina (toda doutrina visa a dominação e toda dominação depende do estabelecimento de um código moral que permita identificar submissos e rebeldes). Como estabelecer o certo se ele é relativo? É certo para quem? É certo proibir as mulheres de mostrarem o rosto, como exige a cultura muçulmana, ou é certo a mulher ter as mesmas liberdades e direitos dos homens, como busca, cada dia mais, a civilização ocidental? Certo e errado, portanto, dizem respeito aos meus desejos, aos desejos de um grupo, de uma associação, de uma comunidade, de uma cultura particular, de um povo, de um país, de uma... religião. Certo e errado, portanto, não pode explicar o que seja "a verdade".

A verdade, pelo ponto de vista da entidade que a afirma, é aquilo que ela deseja que outros "aceitem" como verdade - aceitar na obrigação de se submeter. Mas se outra entidade a contrapõe, temos então outra verdade que mostra o ponto de vista da outra entidade que a contrapõe, e, portanto, se existem duas visões/opiniões/proposições (verdades), não podemos falar em "uma" verdade.

Se admitíssemos a existência de “uma verdade”, implicaria em que, obrigatoriamente, ela teria que ser perene (duradoura, eterna). Se, o que se afirma pode mudar num futuro qualquer, por qualquer razão, então não se pode afirmar que é “uma verdade”. Uma verdade só poderia ser aceita como tal se não estivesse sujeita a mudança, em qualquer tempo. Olhe em volta, para tudo o que o cerca, pessoas, acontecimentos e coisas, e se pergunte: existe uma verdade para cada caso? De que serviria a justiça se para tudo há uma só verdade e nada, portanto, há a discutir ou julgar? Como, então, pensar em verdade como afirmação inquestionável, imutável?


Nem no nível dos átomos a verdade existe. Um átomo que um dia foi parte de um minério de urânio (que a nós leigos parece algo imutável), a cada 4,5 bilhões de anos metade de seus átomos decairá (um conceito da física) e se tornará chumbo (este processo é chamado de meia-vida).

A maioria dos que me leem nasceram no Brasil. Entre estes, existem adeptos de várias religiões: católicos, protestantes, evangélicos, umbandistas, espíritas, budistas etc. A grande maioria é cristã e, entre estes, a maioria dos brasileiros é de católicos. Por que será? E se cada um de nós tivesse nascido em outras partes do mundo? Será que o católico seria católico se tivesse nascido em Israel? E se tivesse nascido em algum país do Oriente Médio, região onde predomina o Islamismo? Nossas preferências, nossas escolhas, estão subordinadas a dois fatores: nossa genética e nossas circunstâncias (externas e internas). A genética irá prevalecer sempre que a manifestação for individual, disser respeito exclusivamente a mim. A cultura prevalecerá sobre minha genética sempre que o “eu” considerar que as regras do meio em que vivo são mais importantes do que a minha individualidade[2].

Existe uma verdade que talvez exista realmente. Tudo em que eu acredito, é, em última instância, a "minha verdade". Mas será que ela é perene? Ou, tal como o amor de Vinícius de Moraes, será "eterna enquanto dure"? Quantas e quantas vezes você já viu pessoas mudarem de opinião? De religião? Ou, simplesmente, mudarem de vida, deixando a metrópole por uma casa no campo? Foram verdades que duraram enquanto... foi bom crer nelas. Morar no campo não é a melhor maneira de morar! Praticar as crenças de uma religião específica, não é praticar as melhores crenças. Dizemos "a verdade é..." quando queremos dizer, apenas, "creio/acho/penso que...". É tão somente uma força de expressão, usada normalmente quando queremos que o outro concorde com nossa proposição.

Quantos de nós não conhece alguém que abandonou os dogmas de sua religião primeira para "se converter" a outra por força do amor? Noivas católicas se convertem ao judaísmo para concretizar o sonho de casar, construir família e ser aceita pela comunidade do futuro esposo. É a força do novo meio prevalecendo sobre a força da cultura oriunda de circunstâncias anteriores e as quais se está abandonando.

E quem não conhece aquele que ao chegar à vida adulta questiona todos os dogmas sob os quais viveu por 20 ou mais anos, e vai para o Tibete viver miseravelmente na meditação? É a força da genética prevalecendo sobre o meio.

A “minha verdade”, hoje, é que não acredito que exista verdade para nada neste nosso universo e vida. Tudo é mutante o tempo todo, pois no Universo tudo está em constante movimento, dos átomos aos conglomerados de galáxias. Mas esta é, apenas, a "minha verdade". 

Há um porém: a "minha verdade", obrigatoriamente, se limita na verdade do outro, do contrário, a “minha verdade” estará cerceada porque eu sou o outro do outro. A “minha verdade” tem importância para eu dormir o sonho dos anjos, acordar com a alegria de ter o privilégio da vida e ter valores que me ajudem a superar as agruras e saborear as benesses do meu dia-a-dia. 

A “minha verdade” só não pode pretender ser universal. O meu pensamento é só o "meu pensamento". A minha crença não passa da “minha crença”. Meus dogmas são particulares e restritos a mim. Pretender impor a “minha verdade” a outro é o exercício da mais pura arrogância, prepotência e, até mesmo, insanidade. Porque, se não quero que o outro me impinja a verdade dele, preciso sempre lembrar que para o outro, o outro sou eu.

1 - Tratarei da percepção no futuro.

2 - Interessante ver este mapa das religiões no mundo.

P.S.: Você não concorda comigo e sabe de uma verdade inquestionável? Então me mande um comentário mostrando-a. Ou eu demonstro que ela não é uma verdade ou serei obrigado a rever esta "minha verdade".